quarta-feira, 30 de março de 2011

SUBSTÂNCIA (GUIMARÃES ROSA)

Este conto, Substância, tem como personagem principal Sionésio, homem simples, trabalhador e calado. O vocabulário reduzido limita-lhe a expressão, não a sensibilidade. O narrador, em terceira pessoa, onisciente, fala por ele, transformando seus sentimentos em linguagem.

O título desse texto, um verdadeiro conto de fadas, estaria relacionado a três fatos. Substância pode significar “o essencial”. Seria um conselho para que nos atenhamos apenas ao que é importante. É a lição aprendida por Sionésio. A palavra pode também estar ligada à idéia de alguns textos místicos medievais, que diziam que os anjos eram todos iguais – assim como o moço muito branco, de Um Moço Muito Branco, que é indefinido por ser feito de uma substância divina. Pode ainda estar ligada ao polvilho, material extremamente branco que Maria Exita, empregada de Sionésio, manipula.

Este conto apresenta uma bela metáfora sobre a pureza de sentimento decorrente da retidão e do sofrimento. Há trabalho incessante, e o cotidiano de uma menina dedicada a bater o polvilho, num movimento incansável, é descrito nos planos objetivo e subjetivo. No enredo, vemos a descrição do trabalho, da lida e da luta pela sobrevivência, e temos um valioso retrato dos costumes de uma comunidade que tem como uma das formas de subsistência o fabrico e o depuramento do polvilho, bem como as condições precárias e primitivas em que este trabalho é realizado.

Em Substância os contrários aparecem harmonizados ao final do conto. Os personagens transcenderam assim o nível imediato de uma realidade, superando a cisão dos opostos. Para falar deste outro estágio em que eles se encontram Guimarães Rosa lança mão de estruturas lingüísticas carregadas de paradoxos: "acontecia o não-fato", "em-si-juntos", "avançavam, parados".

Deve-se também observar no conto a notação fonética dos nomes: Maria Exita (Mariasita), Sionésio (senhor Onésio) e Nhatiaga (senhora Tiaga). Essa é uma das marcas de Guimarães Rosa.

Enredo

É a história de amor entre Maria Exita e Sionésio. Maria Exita havia chegado à fazenda de Sionésio, trazida por ele por pena: a mãe havia abandonado a casa, seus dois irmãos eram criminosos e seu pai, leproso, também havia partido. Ela era ainda menina, feia e desengonçada.

Na fazenda, aceitaram-na porque a velha Nhatiaga, peneirinha de polvilho, compadecera-se dela. À Maria Exita deram porém ingrato serviço, de todos o pior: o de quebrar, à mão, o polvilho, nas lajes.

A fazenda mantinha-se do plantio da mandioca e da produção de farinha e polvilho. Sionésio herdou-a. Prazer era ver, aberto, sob o fim do sol, o mandiocal de verdes mãos. Amava o que era seu – o que seus fortes olhos aprisionavam.

Não havia reparado nela enquanto, quieta e imperturbável, crescia, transformando-se numa linda moça – ela, flor.

Sionésio vai-se apaixonando por Maria Exita. Todo esse tempo. Sua beleza, donde vinha? Sua própria, tão firme pessoa? A imensidão do olhar – doçuras. Se um sorriso, artes como de um descer de anjos. Sionésio nem entendia. Somente era bom, a saber feliz, apesar dos ásperos.

Surpreendentemente, tornara-se aos seus olhos, deslumbrante, dona de uma beleza radiante digna das musas de Petrarca e Camões. Essa luminosidade é reforçada pela matéria com a qual lida, o polvilho, e para a qual é a única que está acostumada, mesmo sob o forte sol do sertão, que torna essa substância dotada de um brilho cegante. Essa familiaridade a torna divina.

No entanto, Sionésio tem medo. Ele preocupa-se com o fato de que alguém pudesse afastar sua quente presença para longe dele. A mãe de Maria Exita era leviana, tendo abandonado o lar. O pai estava num lazareto (lugar para leprosos). Seus irmãos eram bandidos, um preso e outro foragido. O fazendeiro tem, portanto, teme que em sua amada exista a marca de algumas dessas malignidades.

Sionésio sente que a paixão é maior que o preconceito, vence todos esses receios e pede-a em casamento. Atingir a realização, a felicidade plena exige a coragem de suplantar obstáculos. Caminha para a eternidade, para a luz, para o “não tempo” e o “não fato”.

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